Eu ainda era um “cabeça oca” quando resolvi consertar meu coração que veio com defeito de fabricação (Estenose Pulmonar), o famigerado “sopro”. No hospital Santa Isabel, em Salvador, eu aguardava a minha vez no concorrido Centro Cirúrgico, instalado numa confortável enfermaria, bancado pelo então INPS, com mais quatro solidários colegas de infortúnio, ou quem sabe, sortudos. Porque se fosse nos dias atuais, talvez em não estivesse aqui escrevendo isso, não por falta de tecnologia, mas por falta de vagas. Naquele tempo era necessária uma grande reserva de sangue, pois a cirurgia era “aberta”, muito invasiva. Meu sangue é um pouco raro, O negativo, daquele que pode doar a qualquer pessoa, mas só recebe do mesmo tipo. Ainda assim, apareceram muitos doadores, gente que eu não cheguei a ver e que também não me conheciam. Me disseram que até um gay apareceu para doar, mas não foi possível por alguma razão.
Desse fato me aproveitei para zoar os médicos na sala de cirurgia. É que além de me rasparem o corpo todo (tricotomia), me vestiram uma camisola que só tinha a parte da frente. Aí, eu disse: Vocês me rasparam as pernas e as axilas, me vestiram uma camisola de Lua de Mel, aproveitem e liguem as trompas. O Anestesista me botou pra dormir. Depois desse episódio eu fiquei muito tempo impressionado com a solidariedade das pessoas. E um certo dia, eu estava em casa, num domingo, e ouvi no rádio que alguém precisava de sangue do meu tipo. Foi quando apareceu o fotojornalista Reginaldo Pereira, e eu pedi a ale que me levasse ao HDPA para doar sangue. Ele ficou meio sem entender, mas a partir daquele dia eu virei doador de sangue, a ponto dos hospitais me terem em seus cadastros e sempre me procurarem para saber se eu poderia doar. Há algum tempo, devido a comorbidades e à idade, não posso mais.
Mas ficava feliz em poder ajudar a salvar vidas. E a convivência com amigos médicos, entidades filantrópicas, Grupos religiosos, e tudo o mais, foram me sensibilizando e me tornando uma pessoa melhor. Vi meu sobrinho doar, sem pestanejar, um rim para a sua irmã, e aquilo mexeu muito comigo. Eu já conhecia a história, mas nunca tinha entendido tão profundamente o significado do fato de Jesus ter doado todo o seu sangue, a sua vida, para nos salvar de nós mesmos. E lamento que tão poucas pessoas tenham a real compreensão, da grande dimensão dessa atitude d’Ele. Há muitas coisas além do sangue que recebemos de Deus, de graça, e que podemos doar sem prejuízo algum, para ajudar os nossos irmãos, filhos de Deus como nós. Compreensão, carinho, amizade, afeto, palavras, abraços, ombro amigo, ouvidos para escutá-los, conselhos a quem pedir, alimento pra quem tem fome, água para quem tem sede, um mundo de coisas e atitudes que, a princípio, parecem ser nada para quem doa, mas significa muito para quem recebe.
Somos muito ricos em graças divinas, mas poucos de nós percebem isso. E nem se tocam para o quanto são ricos, porque se perdem em lamentações por não terem o que não necessitam, enquanto há tantos outros implorando aos céus para ter só um pouquinho do que elas têm. E nem sempre usam. Elevemos nossos olhos para os céus e agradeçamos por tantos milagres, tantas coisas boas ao nosso redor, que basta despertarmos do nosso egoísmo para perceber o quanto somos ricos das graças divinas.
Um pouquinho de sangue não nos fará falta alguma, mas salvará uma vida.
NE: Publicada em julho de 2021
Sempre as segundas-feiras publico aqui no blog uma crônica antiga de Cristóvam Aguiar. Escolho aleatoriamente, e hoje não foi diferente. Mas, o curioso é que o tema tratado está em evidência nos últimos dias pelo fato do apresentador Fausto Silva está necessitando de um transplante de coração. E as notícias de que ele poderá ter prioridade na fila está causando o maior rebuliço. Pessoas afirmando que ele vai furar a fila por ser rico e famoso. Que os motivos que o levam a prioridade não passam de “um jeitinho brasileiro para atender o rico”. Eu prefiro acreditar na seriedade do trabalho da equipe responsável pela triagem. Se as pessoas julgassem menos e compreendessem mais, fossem mais caridosas, partilhassem mais, se doassem de alguma forma, ajudassem umas às outras independente de cor, raça, condição financeira, certamente teríamos um mundo menos cruel. Afinal, somos todos iguais, todos filhos do mesmo Pai. E só a Ele cabe um julgamento pelas nossas ações.
Maura Sérgia