Ex-ministra do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e ex-corregedora nacional de Justiça (CNJ), Eliana Calmon comentou os desdobramentos da Operação Faroeste, que investiga a existência de um esquema criminoso de venda de decisões judiciais. Nesta semana, foram deflagradas duas novas fases que culminaram na prisão de duas desembargadoras do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA) e do afastamento do secretário de Segurança Pública da Bahia (SSP-BA).
De acordo com Eliana, tudo o que veio à tona no âmbito da operação já era esperado. "Nós todos baianos que conhecemos e estamos acompanhando o desenrolar dos fatos, em um 'zumzumzum' que corre pela cidade, está acontecendo aquilo o que nós já prevíamos. Há realmente um problema muito sério que precisava ir a fundo para, desta forma, ver se a gente consegue algum sucesso na forma de proceder do Poder Judiciário baiano. Eu conheço um pouco a história toda pelo fato de ser magistrada, baiana e ter estado na Corregedoria Nacional de Justiça, onde eu tentei melhorar a situação", disse a jurista, em entrevista a Mário Kertész no Jornal da Bahia no Ar da Rádio Metrópole de hoje (16).
"Estamos hoje fazendo a correção da forma mais violenta possível, que é com a polícia, afastamento e prisão de magistrado quando isso poderia ser evitado se isso fosse feito administrativamente. Eu não contei com o apoio, inclusive, da própria categoria. O Poder Judiciário resiste muito a essas apurações. É exatamente a partir daí que as coisas começam a acontecer. Naturalmente que as coisas vão ficando mais difícil. O que está acontecendo hoje é aquilo que eu já previa que iria acontecer", acrescentou.
Eliana Calmon revelou detalhes do que pode perceber da Operação Faroeste. Como corregedora, a jurista ficou conhecida por afirmar que no Judiciário existem "bandidos de toga", ganhando a antipatia de membros da própria classe. "Toda a magistratura está sofrendo hoje porque está escancarada uma série de desmandos acontecendo. Isso acontece exatamente por essa cultura do Judiciário de esconder, apaziguar, não ir a fundo. Como magistrada que fui e muitas coisas que presenciei dentro do Judiciário e da experiência que eu tive como corregedora, praticamente vivi as entranhas do Poder Judiciário. Isso não acontece por um acaso ou de repente. São coisas que vão se acumulando", destacou a ex-ministra.
"Todos são coniventes? Não. O que acontece é que nós não acreditamos que na possibilidade de fazer a correção de rumo. Por não acreditar que possa haver correção, aqueles magistrados mais moderados não se metem para não se comprometer. Um grupo faz o seguinte: se apossa justamente desses magistrados que estão desviados para, com eles, formar uma maioria política e dominar politicamente o tribunal. Aqueles que ficam calados e não querem se meter, que denunciam e se colocam contrário, nada vai acontecer diferente, porque não se apura nada, e eu fico em uma situação difícil. Há aqueles que calam e os que calam e consentem. Existe um outro grupo que sabe de tudo, não participa, mas apoia incondicionalmente para ter, com os corruptos, a maioria e, assim, dominar politicamente o tribunal", comentou.
Corrupção dura há mais de 30 anosAinda segundo Calmon, as investigações deflagradas contra o esquema criminoso podem ter revelado um sistema de corrupção existente há mais de 30 anos no Judiciário baiano. A Faroeste aponta que a venda de decisões judiciais por parte de juízes e desembargadores da Bahia, com a participação de membros de outros poderes, contou ainda com blindagem institucional da fraude.
O esquema, segundo a denúncia, consistia na legalização de terras griladas no oeste do estado. A organização criminosa investigada contava ainda com laranjas e empresas para dissimular os benefícios obtidos ilicitamente. "Esse problema do Oeste da Bahia é coisa que está no Judiciário há mais de 30 anos", diz a ex-ministra
"Eu fui procurada por um emissário do José Valter, que foi o pivô de tudo. Aconteceu tudo a partir das terras de José Valter, que é um homem simples, um mecânico. Tinha uma loja mecânica e essas terras. Todo dinheiro que pegava, comprava terra no tempo que valia nada. Trocava-se terra por maço de cigarro. Ele foi comprando terra e apareceu um pessoal do Rio Grande do Sul e do Paraná querendo fazer negócio. Ele era um homem simples, não fazia negócio de banco e disse o seguinte: é até bom que a área se desenvolva e então fez parceria com esse pessoal através de arrendamento, ele morando no local", conta a ex-ministra.
"A partir daí, quando a safra começou a se desenvolver, esse pessoal expulsou José Valter e ficou com as terras. José Valter, há trinta anos, entrou com uma ação de reintegração de posse, certinho com as terras dele e tudo direitinho. Eu tive acesso a esta ação e ela nunca se desenvolveu. O juiz julgou certinho, deu uma liminar para que as terras fossem devolvidas a ele, houve recurso e o tribunal manteve a liminar. Aí um desembargador, que já é morto, passou na frente em um mandado de segurança, que foi impetrado pelos grileiros, e deu uma liminar cassando tudo", continua.
"Esta ação de José Valter terminou no ano passado. Tinha um relatório do MP que desvendava toda a história a partir de um inventário falso que foi feito pelos grileiros e eu não tive dúvida. Foi essa documentação que fui ao CNJ defender José Valter e tive sucesso. O julgamento foi a favor que ele continuasse com a ação e aí fosse resolvida a ação. Acontece que os grileiros começaram também a ficar calados e, depois de dois anos, entraram com um processo no CNJ, se descobrindo o seguinte: esse emissário de José Valter é o tal chamado cônsul de mentira. Ele pegou as terras de José Valter, com a documentação certa, e fez aquilo crescer como fermento. Aí veio este bolo todo. Nós temos dentro desse caso, o início todo, mas no entorno disso se desenvolveram algumas quadrilhas", acrescentou a ex-ministra, referindo-se a Adaílton Maturino, preso no âmbito da Faroeste. Informações por Metro 1