A pandemia da Covid-19 reduziu a arrecadação do país ao mesmo tempo em que as despesas não pararam de crescer. Um prejuízo, segundo especialistas, ainda sem previsão de recuperação. O custo fiscal gerado pela crise sanitária de 2020 supera até mesmo a economia prevista em dez anos com a reforma da Previdência, aprovada em 2019, e ultrapassa o dobro do esperado pela reforma administrativa, que deve ser votada ainda neste mês na Câmara.
Desde o ano passado, até 23 de fevereiro, o governo federal empenhou R$ 527 bilhões para combater a doença, valor dentro do montante de R$ 642,2 bilhões reservado para todas as ações de combate à proliferação do vírus. Os gastos vão desde o pagamento do auxílio emergencial, repasse para Estados e municípios até a compra de vacinas. Contando as perdas de R$ 287 bilhões na arrecadação federal de 2020, o rombo da pandemia (gastos previstos mais perdas na arrecadação) é de R$ 929 bilhões. Para efeito de comparação, a reforma da Previdência deve trazer uma economia de R$ 800 bilhões em dez anos.
O Executivo aponta que só em 2020 os cofres públicos acumularam déficit de R$ 814 bilhões, diferença da arrecadação total do governo com as despesas gerais pagamento de juros e parcelas de dívidas.
O Ministério da Economia calcula que os gastos elevem ainda os juros da dívida pública, gerando despesas adicionais na ordem de R$ 261 bilhões até 2030. Do total, pouco mais de R$ 143 bilhões estão ligados ao auxílio emergencial – o Congresso estuda o retorno do benefício para este ano. De acordo com o Tesouro Nacional, essas despesas em dez anos englobam ainda juros motivados pelo auxílio federativo e decorrentes do Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda (BEm).
A previsão de especialistas em relação ao efeito da pandemia na dívida pública é ainda pior. A previsão é que as despesas alcancem R$ 852 bilhões nos próximos dez anos. O valor se aproxima ao da última estimativa do Tesouro Nacional para a economia a ser gerada com a reforma da Previdência. Quando foi aprovado, o texto pretendia economizar R$ 800 bilhões em uma década. Entre outros pontos, a reforma definiu idade mínima de aposentadoria pra homens (65 anos) e mulheres (62 anos) e novas regras de acesso aos benefícios.
Para Felipe Salto, diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente do Senado Federal, apesar do rombo, sem a reforma da Previdência, a situação das contas públicas seria muito pior. Segundo ele, as mudanças das reformas, incluindo a administrativa, que pretende reduzir R$ 400 bilhões até 2034, segundo projeção do estudo do Centro de Liderança Pública, só devem ser sentidas em médio prazo.
Na reforma administrativa, o governo pretende alterar formas de contratação, desligamento e remuneração de servidores públicos. O fim da estabilidade é o ponto mais sensível da matéria. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), espera que o texto seja aprovado na Comissão de Constituição e Justiça, ainda a ser instalada, e no plenário da Casa, até o fim de março. Se aprovado, o texto seguirá para o Senado. “O desafio de atender às demandas do combate à Covid deve combinar com a manutenção da responsabilidade fiscal e o planejamento para recuperar condições de sustentabilidade da dívida em médio prazo”, avalia.
Previsão é que dívida pública siga crescendo
Com o impacto das ações de combate ao novo coronavírus nas contas públicas, a estimativa do Tesouro Nacional é que a dívida bruta siga crescendo nos próximos anos. A previsão da Instituição Fiscal Independente) é que a dívida bruta atingirá 100% do PIB, entre 2027 e 2028, e não alcançará as condições de sustentabilidade até 2030. Segundo o economista Luiz Carlos Day Gama, professor do Ibmec-BH, a maioria das despesas veio no aumento de gastos, mas o impacto nos cofres públicos foi resultado também de receitas abdicadas pelo Executivo.
Na pandemia, a maior parte dos descontos veio pela isenção do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), adotada desde abril para reduzir o custo dos empréstimos e ajudar a arrefecer os impactos da crise econômica. Outras receitas de que o governo abriu mão de receber, por exemplo, foram os tributos de importação de materiais médico-hospitalares e impostos sobre a produção de bens como artigos de laboratórios e farmácias.
“O ano de 2021 tende a ser melhor que 2020, mas é preciso passar por reformas e privatizações, necessárias para retomar a confiança do mercado e ter uma dívida mais pagável. A dificuldade vai ser conseguir reformas no ponto de vista de diminuir a taxação dos impostos em um momento de crise na arrecadação", pontua. Informações por O TEMPO