A Associação Pela Liberdade de Expressão e Transparência – ONG LETRA, com atuação no município de Feira de Santana, ofereceu representação contra a Câmara Municipal de Feira de Santana, junto ao Ministério Público do Estado da Bahia, em razão dos prejuízos que o Edital n. 01/2022 causaria aos candidatos autodeclarados pardos que não fossem heteroidentificados pela banca examinadora do certame.
A equipe do Portal de Notícias Valter Vieira teve acesso a Recomendação que o Ministério Publico fez à Câmara Municipal. Foi instaurado Procedimento Administrativo pelo Promotor Justiça, Dr. Alan Cedraz Carneiro Santiago, para apuração das supostas ilegalidades presentes no Edital, haja vista que todo candidato pardo que não fosse aceito pela comissão de verificação seria eliminado do certame.
Fato que o Supremo Tribunal Federal não permite. Inclusive, a eliminação sumária viola Tratados Internacionais de Direitos Humanos que adotam a autodeclaração. Frisa-se que o Estatuto da Igualdade Racial, Lei n. 12.288/10, informa que a população negra é: o conjunto de pessoas que se autodeclaram pretas e pardas, conforme o quesito cor ou raça usado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ou que adotam autodefinição análoga. Sendo que o IBGE adota o critério da autodeclaração, justamente por isso, a Bahia tem 60% da população que se declara parda, ou seja, cerca de 9 milhões de baianos, dentre eles ACM Neto e Rui Costa.
Portanto, apesar de muitos não serem reconhecidos como negros, não quer dizer que autodeclaração destes sejam falsas, visto que para provar a declaração falsa se faz necessário o contraditório e a ampla defesa, do contrário, estaríamos diante de Tribunal Racial. Importante lembrar, que segundo o IBGE, apenas na cidade de Feira de Santana, 311 mil habitantes se declaram pardos. Logo, inúmeros candidatos seriam eliminados ilegalmente do concurso, caso a ONG LETRA não tivesse acionado o Ministério Público, e este, recomendado a correção do Edital.
PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO
IDEA No 003.9.542422/2022
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DA BAHIA, por intermédio da 21a Promotoria de Justiça de
Feira de Santana-BA, no uso das atribuições conferidas pelo artigo 8o, § 1o da Lei Federal no
7.347/1985, combinado com o artigo 8o e seguintes da Resolução no 174/2017, do Conselho
Nacional do Ministério Público e,
CONSIDERANDO a representação encaminhada pela ASSOCIAÇÃO PELA LIBERDADE DE
EXPRESSÃO E TRANSPARÊNCIA, segundo a qual o Edital No 01/2022 do Concurso para
provimento de cargos efetivos da Câmara Municipal de Feira de Santana, teria previsto, em seus
itens 47, 49, 70 e 75, a eliminação sumária de “todos os autodeclarados pardos que não forem
heteroidentificados pela banca examinadora”;
CONSIDERANDO que os referidos dispositivos editalícios, aparentemente, violam os princípios da
razoabilidade e da moralidade administrativa, eis que não encontram amparo no ordenamento
jurídico pátrio, já que presumem a má-fé do candidato, culminando em sua exclusão do processo de
seleção, sem que seja oportunizada a reclassificação em lista de ampla concorrência ou ainda a
demonstração de sua identidade racial através de documentos públicos e fotografias;
CONSIDERANDO ainda que a autodeclaração deve ter caráter prioritário na implementação das
políticas públicas afirmativas, conforme consta no art. 49, §2o, da Lei 13.182/2014, o que implica
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que a declaração do candidato deve ser interpretada, presumidamente, de boa-fé, de modo que
eventual penalidade em face de apresentação de declaração falsa apenas pode se dar após regular
procedimento administrativo, em que lhe sejam oportunizados o contraditório e a ampla defesa;
CONSIDERANDO ainda, que esse é também o entendimento do Supremo Tribunal Federal: “O
reconhecimento da má-fé exige a instauração de processo administrativo com observância do
contraditório e da ampla defesa, sob pena de conferir ares inquisitórios à decisão do Tribunal. A
eliminação de candidato, conforme estabelece a lei de regência, está circunscrita à situação na qual
se verifica a existência de declaração falsa, a ser constatada em específico procedimento
administrativo, no qual sejam asseguradas as garantias constitucionais do mencionadas (STF - MS:
36142 DF - DISTRITO FEDERAL 0083461-48.2018.1.00.0000, Relator: Min. ALEXANDRE DE
MORAES, Data de Julgamento: 11/12/2018, Data de Publicação: DJe-019 01/02/2019);
CONSIDERANDO ainda que, o Supremo Tribunal Federal já decidiu que: “deve ser avaliada
também a herança cultural, os precedentes do candidato e diversas outras características que
podem fundamentar sua autodeclaração como negro/pardo” (Decisão da Presidência no 1074953,
STF, 18 de Setembro de 2017), de modo que uma decisão puramente fundamentada em critérios
fenótipos é incapaz de abarcar todas as questões legítimas referentes ao próprio
autorreconhecimento da pessoa humana, a exemplo daquelas acima descritas;
CONSIDERANDO a necessidade de reunir maiores informações sobre o quanto noticiado, bem
assim garantir uma atuação resolutiva, o Ministério Público do Estado da Bahia RESOLVE
instaurar o presente PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO, com a finalidade de propiciar a
adequada apuração dos fatos acima mencionados, além da adequada promoção das medidas
extrajudiciais e judiciais pertinentes, notadamente para:
I – Autuar a presente portaria e as peças de informações que a acompanham, numerando-se
as respectivas folhas, e a seguir, registrar o procedimento instaurado no IDEA, observadas as
disposições contidas na Resolução no 06/2020 do E. CSMP/BA, por analogia, fazendo constar o
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seguinte:
Área: IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA; Classe: Procedimento Administrativo; Assunto:
CONCURSO PÚBLICO Representante: ASSOCIAÇÃO PELA LIBERDADE DE EXPRESSÃO E
TRANSPARÊNCIA; Representado: CÂMARA MUNICIPAL DE VEREADORES DE FEIRA DE
SANTANA-BA
II – Publicar a presente portaria de instauração, após devidamente registrada e autuada,
mediante respectiva afixação no mural constante na Sala de atendimentos desta Promotoria
pelo prazo de trinta (30) dias, para fins de publicidade e conhecimento de todos, consoante
determinado no artigo 7o, inciso X, da Resolução n. 06/2009 do E. CSMP-BA.
III – Remeter, por meio eletrônico, cópia da presente Portaria de instauração ao CAOPAM e
CAODH;
IV – Deixo de Cientificar Inicialmente os envolvidos acerca da instauração do presente,
encaminhando-se cópia da presente portaria para fins de conhecimento e eventual interposição
de recurso (art. 9o
, Resolução no 06/2009, CSMP/BA), nos termos da Resolução no 06/2009 do
E. CSMP-BA, no fito de preservação dos eventuais elementos de informação que serão colhidos
através das diligências preliminares, bem como pelo fato da natureza do procedimento, qual
seja, procedimento administrativo, o qual não possui previsão normativa para interposição de
recurso de sua instauração.
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V – Oficie-se à Câmara de Vereadores do Município de Feira de Santana-BA para que, no
prazo de 10 (dez) dias, preste informações sobre o quanto noticiado, indicando, especialmente,
as medidas adotadas para cumprimento da Recomendação Administrativa ora anexa;
Com o ofício, encaminhe-se cópia integral dos autos;
VI – Após, tudo cumprido e aporte das respostas respectivas ou transcorrendo o prazo in alibis
para os respectivos aportes, conclusos para ulteriores deliberações.
Cumpra-se. Expedientes necessários.
Feira de Santana-BA, 16 de dezembro de 2022.
Alan Cedraz Carneiro Santiago
Promotor de Justiça em Substituição
A equipe do portal de Notícias Valter Vieira, tentou manter contato com o presidente Fernando Torres da Câmara de Vereadores, mas, até o momento do fechamento da matéria não obtivemos nenhuma resposta.