Pai e filho, durante mais de 40 anos, com a viola nas mãos e rapidez de raciocínio, fizeram versos e enfrentaram desafios nunca antes experimentados por outros repentistas baianos. Aliás, com justiça, deve-se dizer que Dadinho foi reconhecido como o primeiro violeiro baiano, e Caboquinho seguiu o seu exemplo.
A difícil arte do improviso, do deslindamento do mote, da pronta resposta sem titubeio, ao som da viola, nunca teve forte presença na Bahia, embora fosse comum em outros estados nordestinos, como Paraíba, Rio Grande do Norte, Pernambuco, Ceará e Alagoas. Todavia, esse vazio foi preenchido a partir da década de 1950, quando Manoel Crispim Ramos - Dadinho resolveu empunhar a viola, deixando de lado o hábito do pandeiro e da palma de mão, que imperavam nos batuques e sambas de roda na zona rural de Serrinha e tinham presença significativa na bata do feijão, festas em louvor a santos, aniversários e outros eventos festivos.
Trabalhando desde muito cedo na agricultura, no interior do município de Serrinha, a 67 km de Feira, sempre que podia, Dadinho estava “grudado” no rádio e assim conheceu e começou a gostar do repente. Comprou uma viola e resolveu enfrentar esse novo desafio: da enxada debaixo do sol causticante, para fazer seus versos e ‘debulhar’ motes como fazia com uma espiga de milho. Sem dúvida, um desafio muito maior e capaz de desanimar qualquer um, mas Dadinho, homem sério e de poucas palavras, não era de deixar nada pela metade.
Nas feiras livres da região sisaleira, o nome de Dadinho começou a ser citado. Com a fama crescente, um lugar maior, onde as chances também fossem maiores, era algo natural na caminhada do violeiro. Em 1959, José Crispim Ramos - Caboquinho, que tinha 14 anos e era ‘taludo’, pegou uma viola e encarou o pai. Nascia naquele momento a maior dupla de violeiros da Bahia: Dadinho e Caboquinho ou, como também ficaria conhecida, Caboquinho e Dadinho. O filho, em primeiro plano, jamais desagradou ou enciumou o pai.
No início da década de 1960, Dadinho resolveu trazer a família para Feira de Santana em busca de melhores oportunidades para todos. Em 5 de janeiro de 1966, pai e filho começaram, na Rádio Sociedade de Feira de Santana, o programa Encontro de Violeiros, o primeiro do gênero no rádio local, que ia ao ar pela manhã, às segundas, quartas e sextas-feiras. A aceitação foi tão boa que, pouco depois, o programa passou a ser apresentado diariamente, recebendo visitas de alguns dos mais afamados violeiros do Nordeste.
Mas foi o programa Nordeste de Ponta a Ponta, a partir de 1970, que consolidou o trabalho iniciado no Encontro de Violeiros. Cidade com enorme presença de nordestinos, oriundos tanto de comunidades do interior quanto de capitais, Feira de Santana espreguiçava-se nas manhãs ao som do forró, xote e arrasta-pé, tocados na Rádio Cultura e Rádio Sociedade. Assim, não foi difícil acompanhar o som da viola. Caboquinho idealizou, e Dadinho referendou, o Festival de Violeiros do Nordeste. O prefeito José Falcão da Silva disse sim, o secretário de Turismo, Itaracy Pedra Branca, arregaçou as mangas, e o I Festival de Violeiros do Nordeste levou uma multidão à Biblioteca Municipal Arnold Silva nos dias 4 e 5 de outubro de 1975. Os irmãos Bandeira, do Ceará, foram os vencedores. Ainda em 1975, com o desejo de unir e defender a categoria, Caboquinho criou a Associação de Violeiros e Trovadores da Bahia (AVTB).
O festival anual trouxe a Feira de Santana todos os grandes violeiros do Nordeste, atraindo enorme público. Entre os julgadores estavam intelectuais, jornalistas, artistas e autoridades. O evento teve forte repercussão, tanto que outras cidades do Nordeste seguiram o modelo. A dupla Caboquinho e Dadinho, depois de ganhar o festival em duas oportunidades, deixou de concorrer à premiação, mas continuou participando de forma especial, na condição de hors concours. A dupla, especialmente Caboquinho, também cumpriu muitas excursões, participando de festivais em estados como Ceará, Maranhão, Goiás, Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro.
No dia 15 de junho de 2003, próximo de completar 81 anos, Dadinho (Manoel Crispim Ramos) faleceu em Feira de Santana, deixando um enorme vazio para seus amigos e admiradores, mas também a certeza de que havia cumprido com brilho sua missão. Caboquinho, professor e advogado, manteve o trabalho que havia implantado com o pai, formando dupla com seu irmão, o professor e mestre de karatê João Ramos. No dia 19 de maio de 2020, falecia Caboquinho, que, ao lado do pai, deu a Feira de Santana e à Bahia uma dimensão jamais alcançada no repente da viola.
Por Zadir Marques Porto
Por Secom