O julgamento do habeas corpus (HC) do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no Supremo Tribunal Federal (STF), no último dia 4, retomou a pressão popular sob a atuação da Corte na Operação Lava Jato. Condenado pelo juiz Sérgio Moro na primeira instância e com a sentença confirmada e aumentada, depois, no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), o petista teve seu pedido de liberdade provisória negado pela mais alta Corte, decisão questionada por políticos e juristas.
Responsável pelos casos dos detentores do foro por prerrogativa de função, o chamado foro privilegiado, a última instância do Judiciário deve ocupar, no entanto, um papel central para a operação nos próximos meses. A Corte, que abriga 193 investigações sobre políticos alvos da Polícia Federal, provavelmente dará ainda neste semestre o primeiro veredito a respeito de uma denúncia no âmbito da Lava Jato.
De 2015 a 2018, segundo dados da Procuradoria-Geral da República (PGR), foram ofertadas no STF 36 denúncias contra mais de 100 políticos. Dessas, oito já foram rejeitadas pelo Supremo e 10, acatadas. Ou seja, seus alvos passaram de investigados a réus em uma ação penal.
Nenhum dos políticos teve, até o momento, o processo julgado na Corte. Segundo o relatório Supremo em Números, da Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro (FGV-RJ), o prazo médio para conclusão de uma diligência em 2016 foi de dois anos e meio (797 dias). “Existe uma ineficiência muito grande na maneira como esses inquéritos tramitam no STF”, explica o professor de direito público da instituição Ivar Hartamnn.
Para o docente, o órgão responsável por guardar a Constituição tem falhado em conseguir pautar o julgamento do mérito de ações contra políticos com foro privilegiado que tramitam no STF.
Na fila dos inquéritos no Supremo, os primeiros que devem ter o seu desfecho são os contra a senadora e presidente nacional do PT, Gleisi Hoffmann (PR), por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, e o deputado federal Nelson Meurer (PP-PR), por corrupção passiva. Os casos fazem parte da primeira “Lista de Janot”, conjunto de pedidos de investigação apresentados em março de 2015 pelo ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot.
Gleisi é acusada, juntamente com o marido, o ex-ministro Paulo Bernardo, e o empresário Ernesto Kugler, de receber R$ 1 milhão em propina para sua campanha ao Senado em 2010. Já Meurer é apontado, assim como seus dois filhos, Nelson Meurer Júnior e Cristiano Augusto Meurer, de ter recebido R$ 29,7 milhões em recursos desviados de contratos de empreiteiras com a Petrobras.
Ambos os processos estão atualmente no gabinete do ministro relator da Lava Jato no STF, Celso de Mello. Em fevereiro, a PGR cobrou prioridade no julgamento do processo do deputado federal, alegando “risco de ocorrência de prescrição retroativa”.
Denúncias contra o presidente
Os inquéritos da Lava Jato foram utilizados ainda nas duas denúncias formuladas por Janot contra o presidente Michel Temer (MDB). A primeira delas, por corrupção passiva, foi ofertada após a revelação do conteúdo das delações premiadas de Joesley Batista e outros executivos da holding J&F, pertencente ao empresário e controladora do grupo JBS. A segunda, por obstrução de justiça e organização criminosa, trazia, além do chefe do Executivo, os ministros Eliseu Padilha (MDB), da Casa Civil, e Moreira Franco (MDB), de Minas e Energia (à época na Secretaria-Geral da Presidência).
As duas denúncias foram enviadas à Câmara dos Deputados e rejeitadas pelos parlamentares após votação em plenário. Os casos devem ficar “congelados” no Supremo até o fim do mandato de Temer, em janeiro de 2019.
Engrossam ainda a lista de políticos com foro alvos de inquéritos no STF os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Eunício Oliveira (MDB-CE), além de lideranças como os senadores Romero Jucá (MDB-RR) e Renan Calheiros (MDB-AL) e ex-candidatos ao Palácio do Planalto, a exemplo dos senadores Aécio Neves (PSBD-MG), Fernando Collor (PTC-AL) e José Serra (PSDB-SP).
Ao todo, membros de 14 diferentes partidos políticos são investigados no Supremo. Todos negam os crimes. No próximo dia 2 de maio, o STF também deve retomar o julgamento da ação que restringe o foro privilegiado apenas a crimes cometidos no exercício do mandato. A Corte já possui maioria para diminuir o número de parlamentares beneficiados pela medida e, caso a decisão se mantenha, pode ter efeito em alguns dos processos da Lava Jato.
Veja como está a situação desses políticos no STF:
Moreira Franco (MDB), ministro de Minas e Energia; Eliseu Padilha (MDB), ministro da Casa Civil, e Michel Temer (MDB), presidente da República
O presidente já foi alvo de duas denúncias apresentadas pelo Ministério Público Federal (MPF) ao STF, pelos crimes de corrupção passiva, organização criminosa e obstrução de Justiça. A primeira, que também incluía o ex-deputado federal Rodrigo Rocha Loures, acusava o presidente de corrupção passiva por supostamente receber propina da holding J&F.
Já a segunda denúncia apontava Temer como o líder do “quadrilhão do PMDB (hoje MDB) na Câmara”, grupo que articularia o pagamento de propinas por empreiteiras a deputados federais. É acusado também de ter incentivado pagamento de mesada para evitar acordo de delação premiada do operador financeiro Lúcio Funaro. Além do presidente, a denúncia acusava ainda os ministros Eliseu Padilha e Moreira Franco de fazerem parte do esquema.
Como prevê a Constituição, denúncias contra um presidente da República em exercício só podem ser acatadas após autorização da Câmara dos Deputados. Em ambas as situações, a Casa não permitiu a continuidade das investigações durante o mandato de Temer e, por isso, a tramitação das denúncias foi suspensa até que ele deixe a Presidência. Quando o chefe do Executivo federal perder o foro, os processos serão remetidos à Justiça Federal.
Temer é investigado também em outros dois inquéritos que tramitam no STF e ainda não tiveram denúncia apresentada. O primeiro apura supostas irregularidades na edição do Decreto dos Portos pelo presidente. A suspeita é de que ele tenha favorecido empresas de aliados ao editar a norma. Tanto Michel Temer quanto as empresas supostamente beneficiadas negam as acusações.
A última investigação diz respeito a inquérito que apura suposta arrecadação de propina para campanhas eleitorais. Inicialmente, apenas os ministros Moreira Franco e Eliseu Padilha (foto acima) eram alvo da investigação. No entanto, em março, o ministro do STF Edson Fachin autorizou a inclusão do presidente. Temer nega envolvimento.
Eunício Oliveira (MDB-CE), presidente do Senado Federal
O presidente do Senado, Eunício Oliveira, é alvo de dois inquéritos no STF. A primeira acusação, apresentada em março do ano passado, diz respeito a suspeita de pagamento de propina por agentes da Odebrecht a parlamentares, em troca de atuação beneficiária à empresa no Congresso Nacional. Eunício é um dos que teria recebido valores ilícitos. O processo ainda está em fase de investigação e, em fevereiro, o ministro Edson Fachin, prorrogou o inquérito por 60 dias.
A segunda acusação é resultado da delação premiada de um ex-diretor da empresa farmacêutica Hypermarcas. De acordo com a acusação, o presidente do Senado também teria recebido propina para atuar em favor do grupo. O processo ainda está em fase de investigação. Ele nega as acusações.
Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara dos Deputados
Assim como Eunício Oliveira, o presidente da Câmara é investigado no inquérito que apura suposto pagamento de propina a parlamentares em troca de favorecimento à empreiteira Odebrecht na atuação legislativa.
O segundo inquérito do qual Maia é alvo apura supostos repasses irregulares feitos ao parlamentar e a seu pai, o ex-prefeito do Rio de Janeiro (RJ) César Maia, nas campanhas eleitorais de 2008, 2010 e 2014. A propina também teria sido paga pela Odebrecht. O processo ainda está em fase de investigação. Em fevereiro, o inquérito foi prorrogado por 60 dias. Ele nega as acusações.
Aécio Neves (PSDB-MG), senadorO senador Aécio Neves é investigado em sete inquéritos no STF, no âmbito da Lava Jato. Um deles, inclusive, será julgado na próxima terça-feira (17/4). A investigação, que também inclui a irmã de Aécio, Andrea Neves, apura pedido de propina no valor de R$ 2 milhões feito pelo parlamentar a executivos da J&F. Caso a denúncia seja aceita na sessão de terça, o tucano passa a ser réu no caso pelos crimes de corrupção e obstrução de justiça.
Os outros seis inquéritos investigam suposto repasses de propinas ao senador mineiro e dizem respeito às delações da Odebrecht e da J&F. Em todos, a Procuradoria-Geral da República pediu prorrogação de prazo entre fevereiro e março deste ano. Em nenhum deles houve apresentação de denúncia até o momento.
Gilberto Kassab (PSD), ministro de Ciência e Tecnologia
O ministro Kassab é alvo de três inquéritos no STF, no âmbito da Lava Jato. O primeiro apura suposto pagamento de propina no valor de R$ 20 milhões pela Odebrecht ao político, enquanto prefeito de São Paulo e ministro do governo federal. O processo está em posse da Procuradoria-Geral da República, mas ainda não houve apresentação de denúncia.
O segundo inquérito investiga suposto repasse irregular de R$ 2 mihões pela Odebrecht à campanha de Kassab, em 2008. A ação também está com a PGR e ainda não há denúncia oferecida.
A última e mais recente acusação diz respeito à delação de executivos da J&F. Segundo a denúncia, o ministro teria recebido pagamentos mensais de propina no valor de R$ 350 mil por meio da empresa Yape Consultoria e Debates, desde o ano de 2009. O processo ainda está em fase de investigação.
Aloysio Nunes (PSDB), ministro das Relações Exteriores
O ministro das Relações Exteriores é investigado em um inquérito no STF. O processo apura suposto pagamento de propina pela Odebrecht a Aloysio Nunes. O repasse, de R$ 500 mil, teria sido utilizado para custear a campanha eleitoral do ministro ao Senado, em 2010. À época do pedido, ele era chefe da Casa Civil do estado de São Paulo, durante o governo de José Serra. Ainda não houve apresentação de denúncia.
O senador e ex-ministro das Relações Exteriores José Serra é alvo de investigação em um inquérito da Lava Jato em trâmite no STF. Nele é apurado suposto esquema de propinas na construção de obras públicas durante o período em que Serra foi governador de São Paulo. Investiga ainda denúncias de doações de campanha ilícitas entre 2004 e 2010.
O senador Renan Calheiros é alvo de seis inquéritos no STF, no âmbito da Lava Jato. Em um deles, que apura corrupção e pagamento de propinas na Transpetro, ele já foi denunciado junto a outros três parlamentares em atividade – Valdir Raupp, Romero Jucá e Garibaldi Alves – pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro. O caso ainda não foi julgado.
Outra diligência contra Renan, que também já possui denúncia, apura o suposto “quadrilhão do MDB” no Senado. De acordo com a acusação, o grupo articulava o recebimento de propinas milionárias em troca de favorecimento a empresas. Além do parlamentar alagoano, foram denunciados no caso os senadores Edison Lobão, Jader Barbalho, Romero Jucá e Valdir Raupp.
Os outros quatro inquéritos ainda estão em fase de investigação. Dois deles tiveram o prazo prorrogado por 60 dias em março. METRÓPOLES