Morosidade. No dicionário, significa lentidão. Na Justiça, pode se tornar sinônimo de impunidade. Uma pesquisa do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) revela que em alguns tribunais até 10% das ações de corrupção prescrevem e terminam sem punição aos envolvidos. Lavagem de dinheiro e corrupção passiva – cometidos principalmente contra a União – são os casos mais comuns a caducarem sem que haja julgamento dos acusados.
Em alguns tribunais, a média do tempo de tramitação dos processos chegou a 2 mil dias – ou 5 anos e meio. O pano de fundo para todo este imbróglio é o foro privilegiado. Previsto na Constituição, ele restringe o julgamento de políticos, e “atrasa” o andamento de cerca de 40% dos processos. O estudo do CNJ investigou o percurso de casos de corrupção em oito Cortes do país.
“O declínio de competência, quando a ação muda de instância, desacelera a tramitação. Um dos exemplos disso é a mudança de foro de um governador que vira deputado e depois assume um ministério”, descreve Lucas Delgado, pesquisador do Departamento de Pesquisas Judiciárias do CNJ.
Em maio do ano passado, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu processar e julgar apenas casos em que os crimes tenham sido cometidos em razão do cargo e durante o exercício do mandato de parlamentares. Antes, o processo tramitava de um tribunal a outro, de acordo com o cargo que o investigado ocupava. A variação é chamada por juristas de “elevador processual”.
Mudar a rota das ações exige alguns ajustes, como a criação de um banco nacional de processos de corrupção. O sistema permitiria o acompanhamento da dinâmica das ações judiciais relacionadas à corrupção que estejam em tramitação ou encerradas, para controle de duração dos processos.
“A pesquisa revela alguns caminhos que podem ser seguidos pelo Poder Judiciário para aumentar sua eficiência de combate à corrupção. As ações precisam diminuir o tempo da tramitação. O tempo da instrução processual é o que mais impacta na prescrição e a tramitação varia de acordo com o tribunal. Com isso, a Justiça perde sua força”, conclui Lucas Delgado.
Impunidade passa pelo foro
O vice-presidente da Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF), Luciano Soares Leiro, é crítico à blindagem proporcionada pelo foro privilegiado. “A morosidade é utilizada como guarda chuva para se conseguir impunidade. Já vimos casos de políticos que preferem ser julgados nas instâncias superiores por ser mais lento”, reclama.
Para ele, a restrição do dispositivo ajudaria a combater a corrupção. “O STF foi feito para julgar, não para fazer investigações. A Corte é constitucional, sua vocação não é julgar casos criminais como temos visto. O ideal é que se acabe com a prerrogativa de foro tão ampliada como temos, deixando-a restrita a chefes de poderes”, pontua.
Beatriz Vargas, professora de direito penal da Universidade de Brasília (UnB), explica que a Justiça investe em questões nas quais o resultado aparece com mais chances de êxito. “O Judiciário entrega trabalho quando ele se sente politicamente empurrado para entregar isso ou aquilo. É uma política decisória. Quando não se tem a imprensa cobrando, um advogado questionando ou se o caso envolve pessoas que não têm poder político, fica mais lento”, avalia.
Ela cita como exemplo o julgamento sobre a reforma do triplex no Guarujá (SP), que levou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para a prisão por corrupção e lavagem de dinheiro. “O tempo que o TRF-4 [Tribunal Regional Federal da 4ª Região] levou da condenação até o julgamento da apelação foi recorde. Houve interesse em mostrar serviço, em dar respostas. O que motivou?”, questiona. Para ela, foi a pressão da opinião pública.
Gabriela Soares, diretora-executiva do Departamento de Pesquisas Judiciárias do CNJ, minimiza as críticas. “Por mais que, nas ações, tenham sido verificado um tempo de tramitação elevado, há também uma taxa de prescrição que não é uma exclusividade de processos de corrupção”, comenta.
União: a principal vítima
Entre 2003 e o ano passado, a Polícia Federal abriu 3.885 inquéritos para apurar crimes de corrupção. A União é a principal vítima, lesada em 74% dos casos. A Previdência, o sistema financeiro e a Receita Federal representam 2% do total de ações, cada. A média de tempo para apuração das denúncias é de 1 ano e 9 meses.
O levantamento mostra que os crimes mais comuns são lavagem de dinheiro, representando 46,5% de todos os casos. Em segundo lugar fica a corrupção passiva – quando uma pessoa pede ou recebe vantagem indevida: o crime corresponde a 39% dos inquéritos.
Segundo a pesquisa, a Justiça Federal do DF possui 678 processos distintos, sendo a Corte com a terceira maior quantidade de casos prescitos da amostra. Nessa instância, o peculato é o mais frequente. Corresponde a 48% dos casos. As investigações sobre lavagem de dinheiro, por sua vez, concentram 30% do total de ações. O estudo do CNJ não leva em conta tribunais superiores e Justiça Eleitoral.
Entenda o foro
Presidente da República, senadores, deputados federais e ministros têm o direito de serem investigados e julgados somente no Supremo Tribunal Federal (STF).Para governadores, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) é a Corte responsável.Prefeitos são julgados por tribunais de Justiça das unidades da Federação.
A corrupção nos tribunais
Crimes contra a administração pública – 181.927 inquéritosConcussão (uso indevido do cargo para obter vantagem) – 22.477 açõesTráfico de influência – 2.270 processosFonte: CNJ
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