Minas Gerais ocupa o primeiro lugar na lista de Estados com maiores índices de suicídios em unidades prisionais. A desonrosa colocação refere-se ao ano de 2020, período no qual 44 pessoas tiraram suas próprias vidas dentro das prisões mineiras. Conforme dados do Departamento Penitenciário Nacional
(Depen), órgão do governo federal, desde o segundo semestre de 2019 Minas Gerais está estacionada no lugar mais alto desse pódio de autoextermínio em presídios. Foram 14 suicídios no segundo semestre daquele ano. De janeiro a junho de 2020, o Estado registrou 26 autoextermínios e, de julho a dezembro, outros 18. Considerando o ano inteiro, o número de suicídios passou de 23 em 2019 para 44 em 2020, uma disparada de 91%.
Os dados fornecidos pela Secretaria Estadual de Justiça e Segurança Pública (Sejusp) são divergentes. Segundo a pasta, foram 28 suicídios em 2018, 26 em 2019, 37 em 2020. Neste ano já foram 18 autoextermínios dentro das unidades prisionais. Também chama atenção o percentual de suicídios no total de mortes ocorridas dentro das unidades prisionais. Dos 110 falecimentos registrados em presídios em 2020, 44 foram suicídios, o que corresponde a 40%.
Nem sempre Minas esteve no topo dessa lista. O Estado figurava na quinta colocação no primeiro semestre de 2019, quando nove autoextermínios ocorreram nas penitenciárias. Naquele período, o Pará teve 27 suicídios e ficou em primeiro lugar. Desde então, o número de casos em Minas Gerais só aumentou.
A reportagem de O TEMPO solicitou entrevista com algum representante do governo estadual para comentar esse contexto, mas a demanda foi negada. O Tribunal de Justiça de Minas Gerais e o Ministério Público de Minas foram questionados, mas também não responderam.
O psiquiatra forense e diretor da Associação Médica de Minas, Paulo Roberto Repsold, atua em penitenciárias. Segundo ele, existe uma demanda crescente por atendimentos psicológicos nas unidades, o que pode ter relação com o aumento de suicídios. "Aumentou muito a população carcerária que padece de transtornos mentais, tanto os que cometeram crimes em função dos problemas mentais quanto os que desenvolveram algum quadro depois de presos", analisa Repsold.
No entanto, ele afirma que faltam vagas específicas para demandas psiquiátricas. "Temos uma população carcerária com transtornos mentais graves, que está cumprindo pena em presídios comuns", acredita o especialista.
Mais humanidade
Para Maikon Vilaça, presidente da Comissão de Assuntos Penitenciários da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-MG), o sistema prisional precisa ter mais humanidade no trato com os chamados "indivíduos privados de liberdade". Segundo ele, uma reunião realizada no dia 10 de agosto deste ano pelo Grupo de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário (GMF) recomendou que o governo realizasse a contratação de mão de obra especializada em saúde mental para atuar nas unidades. "Buscamos diminuir esse alto número de suicídios e tentativas", diz. A entidade, no entanto, não possui informações sobre o quantitativo de contratações a serem realizadas.
População carcerária
São Paulo é o Estado com a maior população carcerária no Brasil, com cerca de 212 mil presos. Minas Gerais aparece em seguida, com aproximadamente 62 mil pessoas detidas.
Familiares contestam as versões oficiais
Alguns parentes contestam que os detentos tenham tirado a própria vida, reclamam de laudos de causa de morte inconsistentes e denunciam maus-tratos. Uma dessas mortes ocorreu no Ceresp Gameleira em 2014, quando um homem de 31 anos morreu no dia do seu aniversário. A mãe do rapaz nega que ele tenha tirado a própria vida. "Ele foi suicidado. Fizeram tudo certinho para parecer suicídio", denuncia a mulher, que pediu anonimato. Na época, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-MG) negou que tenha sido autoextermínio e iniciou uma investigação.
A Secretaria de Justiça e Segurança Pública (Sejusp) informou que as investigações sobre o caso foram arquivadas em 2018, quatro anos após o ocorrido, devido a falta de provas. A pasta disse que todas ocorrências de óbitos são acompanhadas pela Polícia Civil, a quem compete a realização de investigações e laudos periciais imparciais.
Para o aumento do adoecimento mental dentro dos presídios, o maior isolamento dos detentos em função da Covid é uma das explicações, segundo a presidente da Associação de Amigos e Familiares de Pessoas Privadas de Liberdade de Minas Gerais, Maria Teresa dos Santos. Ela conta que a ausência de visitas e o medo de contaminação aumentaram a sensação de solidão entre os presos. "O Estado afirma ter atendimento médico e psicossocial lá dentro, quando sabemos que dois psicólogos para 2.000 presos em cada unidade não são suficientes", reclama.
Ela relata que há vários casos de familiares que têm notado um abatimento físico nos detentos, mas que não conseguem saber do que se trata. Em função da pandemia, a visitação esteve proibida ao longo de 2020.
Por O TEMPO
Queila Ariadne, Izabela Ferreira Alves, Tatiana Lagôa e Rafael Rocha