A proposta do governo federal de criar um voucher aos caminhoneiros no valor de R$ 400 não agrada em nada a categoria. A avaliação é que o benefício proposto é uma “esmola” que busca calar as reivindicações da classe, não sendo uma solução real para o problema dos combustíveis, especialmente do óleo diesel, que afeta diretamente os transportadores. A ideia do governo de criar esse auxílio surgiu após o último aumento, de 14%, no diesel pela Petrobras. O combustível, que acumula alta de 49% nos últimos 12 meses, pressiona a categoria e começa a inviabilizar o serviço de frete no país. “Muitos amigos nossos já abandonaram a profissão, venderam seus caminhões, porque não têm condições. O caminhoneiro não está atrás de R$ 400. Ele quer dignidade de trabalhar, preço justo no óleo diesel para que possa tocar a vida dele, ter a lucratividade e manter a profissão”, relata Nelson Junior, diretor da Federação dos Caminhoneiros do Estado do Rio de Janeiro.
Entre os trabalhadores, a opinião é unânime: o auxílio financeiro não é uma medida viável para resolução dos problemas. O presidente da Associação Nacional do Transporte Autônomo do Brasil (ANTB), José Roberto Stringasci, cita que o valor mensal de R$ 400 não paga sequer o “café com pão na chapa” de todas as manhãs na estrada. “É uma piada. O governo já tentou fazer isso e acha que o caminhoneiro está precisando de esmola. O povo está precisando de solução para o problema que, primeiro, é o combustível, e em segundo é resolver o problema do piso mínimo da categoria. São prioridades para mudar alguma coisa, a categoria não precisa de esmola”, pontua o líder da categoria.
Para avaliar a proposta do governo, a conta básica feita pelos caminhoneiros se baseia no valor da ajuda convertida em litros de diesel. Ou seja, quantos litros de combustível é possível pagar com R$ 400? A resposta é simples: 46 litros, com valor a R$ 8,63, média de preço, segundo dados Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) divulgados nesta terça-feira. Considerando que cada litro faz, em média 2,5 km, o voucher do governo federal daria para pagar apenas 115 km por mês rodados, o que é considerado “ilusório” frente aos mais de 800 km percorridos por dia. “Com R$ 400 vou rodar 100 km, isso no preço de hoje. Se amanhã subir o combustível, já diminui a quilometragem. Então até o final do ano com R$ 400 vou estar andando 10 km. Vai resolver? Não vai”, afirma Norival Almeida Silva, presidente do Sindicato dos Transportadores Rodoviários Autônomos de Bens do Estado de São Paulo (Sindicam-SP), que questiona por quanto tempo o voucher seria repassado.
“É balela, é papo furado. Tenho que viver com o meu trabalho, não com favor de governo, porque ele vai pegar o que é nosso, tirar da Educação, da Saúde, de algum lugar para poder engrenar aqui”, completa. Longe de ser uma reclamação exclusiva dos caminhoneiros do Sudeste, no Piauí a situação também é preocupante. O caminhoneiro Fabio Quaresma opina que mesmo se o valor do voucher fosse três vezes maior, ainda não resolveria os problemas. “Ajudaria porque poderia ajudar no custo da sua família em casa, mas o nosso custo na estrada é muito alto. Agora mesmo fiz o motor do caminhão e gastei R$ 30 mil. É boleto, prestação atrasada, é muita coisa. O que a gente tem que ter é condição de trabalho”, defende o motorista. Assim como ele, Elcio Lima, de Minas Gerais, recusa os valores. “Jamais vou concordar. Não estou fazendo desfeita, mas R$ 400 para todos, o governo vai ter que desembolsar um dinheirão e para nós não é nada, não ajuda em nada. Jamais vou aceitar. A gente vai abastecer um carro de manhã e paga R$ 4,5 mil a R$ 5 mil”, relata.
Repercussão no Congresso Nacional
Entre os parlamentares, a avaliação do voucher do governo também é negativa. O presidente da Frente Parlamentar em Defesa do Caminhoneiro Autônomo e Celetista, o deputado federal Nereu Crispim (PSD), fala em proposta “assistencialista eleitoreira”. “Um caminhão gasta entre R$ 8 mil e R$ 10 mil de diesel para rodar de São Paulo a Alagoas. E essa gente propõe uma esmola que não paga metade de uma recapagem de pneu. Nos respeitem! Isso é um deboche”, afirmou o parlamentar em mensagem encaminhada à Jovem Pan. Ele também cita que há bloqueios para o repasse dos valores em ano eleitoral e reforçou que a categoria quer uma política pública que permita, a cada caminhoneiro, administrar seu negócio sem interferências. “O que resolveria é o presidente Jair Bolsonaro cumprir a promessa de campanha de 2018 e suspender a resolução 05/2017 que criou o PPI.”
Fim do PPI é ‘única saída’
Com as críticas da categoria para o voucher de R$ 400, o governo estuda com a equipe do Ministério da Economia a possibilidade de ampliar o benefício mensal para R$ 1 mil. No entanto, mesmo com o aumento de mais de 100% no valor, os caminhoneiros seguem desconsiderando a proposta como solução para os problemas. Na avaliação dos trabalhadores, duas coisas são essenciais para a categoria: o fim da Paridade de Preços de Importação (PPI) e o piso mínimo do frete, em discussão no Supremo Tribunal Federal (STF). “São duas coisas que o presidente Jair Bolsonaro, desde 2018, com promessas de campanha, disse que iria fazer, mas depois de eleito não moveu uma palha. Pelo contrário, ele só dificultou a vida do caminhoneiro e piorou em 10 vezes mais”, afirma Nelson Júnior, do Rio de Janeiro.
De São Paulo a capitais do Nordeste, Sul e outras regiões do país, o entendimento das lideranças é que a mudança na política de preços da Petrobras terá reflexos para os combustíveis, peças de caminhões, botijão de gás, gasolina e para todos os insumos alimentícios também, uma vez que refletiria no preço do frete. “Um pneu de caminhão hoje está em torno de R$ 3,6 mil, 60% dele é derivado do petróleo, então vamos também reduzir o valor do pneu. O governo federal não tem outra saída. Todas as tentativas paliativas que ele tentou para desviar do assunto acabaram. Ou ele acaba com o PPI ou vai acabar não só com a minha categoria de autônomos, mas com o Brasil e com o brasileiro certo”, reforça José Rodrigues, da ANTB.
Greve não é descartada
Neste sábado, 25, está programada uma carreata de caminhoneiros do Rio de Janeiro, na Rodovia Presidente Dutra, e uma proposta de greve ou paralisação “não está descartada”, afirma Nelson Júnior. “Tudo pode acontecer, apagão, greve. E pode acontecer porque não estou sendo remunerado para me locomover”, completa Norival Almeida Silva, também presidente da Federação dos Caminhoneiros Autônomos de Cargas em Geral do Estado de São Paulo (Fetrabens). Na quinta-feira, 23, a entidade emitiu uma nota admitindo a possibilidade do Brasil estar “prestes a sofrer mais um possível apagão no transporte rodoviário”, fruto de uma nova paralisação. “Não há como os transportadores autônomos de cargas continuarem pagando para trabalhar”, diz o comunicado, que pede a concessão de benefícios tributários e a interferência do governo federal na política de preços dos combustíveis da Petrobras.
Porém, entre a categoria, a avaliação é que a mobilização precisa ser de toda a população e não somente dos transportadores, uma vez que os reflexos do PPI atingem a todos. Igor Dahmer, caminhoneiro do Rio Grande do Sul, diz que a situação é “a pior de todas já vividas pelo transporte” e coloca em risco a continuidade dos trabalhadores. “A situação que hoje o caminhoneiro vive é muito pior que 2018. É ruim para o dono do caminhão, para o empregado e para o patrão. Nessa situação, não escapa nenhum. Vai chegar um ponto que nem o adiantamento da carga vai ser suficiente para abastecer. Se continuar do jeito que está, com aumento de R$ 0,40 a R$ 0,70, quem está apertado, não sei se consegue dizer que é caminhoneiro quando for votar [nas eleições de outubro].”
Por Jovem Pan