O escândalo da manipulação das apostas esportivas tomou conta do noticiário nacional. O maior esquema de fraudes da história do futebol no Brasil instalou-se numa brecha e se aproveitou da omissão do governo brasileiro. Sem regras, fiscalização, nem recolhimento de impostos, o setor de apostas se expandiu pelo Brasil, apesar dessas empresas estarem sediadas em paraísos fiscais e não pagarem um centavo em impostos ao país. Em dezembro de 2018, em seu último mês como presidente, Michel Temer sancionou a Lei 13.756, enquadrando apostas esportivas online como loterias, diferente dos jogos de azar, ainda proibidos no Brasil. A lei autorizava o funcionamento de casas de apostas, mas condicionava a atividade a uma regulamentação posterior, que nunca veio.
Nos quatro anos do governo de Jair Bolsonaro, um decreto com normas e aprovação do setor ficou engavetado à espera de uma assinatura, deixando assim a porta aberta para esquemas fraudulentos que agora abalam e envergonham a indústria do futebol no Brasil. Em dezembro de 2022, fim do governo Bolsonaro, o prazo para a regulamentação da lei expirou.
Causa e consquência
Enquanto bancadas moralistas sentam em cima de projetos que discutem o funcionamento de cassinos, bingos e outros jogos, as casas de apostas esportivas não encontram resistência para funcionar. O resultado é o que estampa capas de jornais, ocupa tempo nas matérias de TV e figura nas páginas principais de todos os portais de notícias: aliciamento de jogadores, manipulação de resultados, ameaças de morte, organização criminosa, lavagem de dinheiro.
Aposta-se de tudo
Além de apostas em eventos de diversas modalidades de esporte no Brasil, esses sites permitem apostar em outras áreas. Pode-se apostar, por exemplo, em quem será o próximo líder do partido trabalhista do Reino Unido, ou quem será o nome escolhido pelo partido democrata americano nas eleições de 2024. Tudo, é claro, envolve dinheiro. Mas é no futebol que a máfia das apostas encontra espaço atualmente no Brasil. Envolve times da série A do campeonato brasileiro, a elite do futebol nacional, e também jogadores da série B, além de alguns jogos dos campeonatos estaduais.
A casa começa a cair
As investigações sobre o esquema fraudulento começaram em novembro do ano passado. Jorge Bravo, presidente do Vila Nova (GO) descobriu que um jogador de seu time tinha sido aliciado por um grupo de apostadores antes de uma partida contra o Sport (PE) na série B. Ele reuniu provas e levou a denúncia ao Ministério Público. O jogador era Marcos Vinícius Barreira, o Romário, que confirmou ter recebido a proposta. Ganharia 150 mil reais para levar um cartão vermelho ou provocar um pênalti. O esquema deu errado porque o jogador ficou no banco durante toda a partida. Como já tinha recebido 10 mil reais adiantados, tentou encontrar outro jogador que topasse seguir com o esquema. Ninguém aceitou e a casa caiu. O presidente do clube descobriu tudo.
Abriu-se a Caixa de Pandora
A partir daí, o Ministério Público decidiu investigar outros jogos da mesma rodada da série B, e descobriu que o problema era maior do que se pensava. Três partidas tinham sido alteradas pelo esquema fraudulento. Começava assim, em fevereiro de 2023, a Operação Penalidade Máxima, que chegou a prender Bruno Lopez, apontado como chefe de uma organização criminosa de aliciadores e investidores. Ele reconheceu a manipulação das partidas, mas mentiu sobre o tamanho do escândalo. Enquanto ele estimava a fraude em 400 mil reais, as investigações mostraram que a movimentação era muito maior e entrava na casa dos milhões em uma única rodada.
Organização criminosa
O esquema fraudulento é articulado por quatro núcleos: “Apostadores”, “Financiadores”, “Intermediadores” e “Administrativo”. Cada núcleo cumpria um papel na organização e ainda há muito a descobrir sobre quem está à frente de cada um deles. A cada dia novas descobertas ampliam o raio de atuação dos envolvidos, e o tipo de crime ainda está sendo definido pelo MP-GO. Se as primeiras denúncias eram restritas à formação de quadrilha e contra o Estatuto do Torcedor, agora já há indícios de lavagem de dinheiro, e investigadores trabalham com a possibilidade de haver um investidor acima dos nomes já encontrados nas fases 1 e 2 da Operação Penalidade Máxima.
O combinado que sai caro
Nem sempre os acertos com os jogadores saíam conforme o combinado. O jogador Fernando Neto, que atuava pelo Operário em 2022, recebeu 40 mil reais adiantados de um total de 500 mil para ser expulso de uma partida contra o Sport, o que não aconteceu. Bruno Lopez então o procurou via whatsapp pra tirar satisfações. “Só faltou eu agredir o juiz”, justificou Fernando. Já o zagueiro do Santos, Eduardo Bauermann, teria aceitado levar um cartão amarelo em troca de 50 mil reais, mas deu xabu. Como já tinha recebido o dinheiro, prometeu levar um vermelho na partida seguinte, mas isso só aconteceu depois do apito final, o que não conta para casas de apostas.
Ameaças de morte
Tanto Bauermann quando o jogador Marcos Vinícius, do Vila Nova, alvo da primeira denúncia, chegaram a ser ameaçados de morte por membros da organização criminosa. Eduardo Bauermann teria feito um acordo com a quadrilha e aceitado pagar os 50 mil em 20 parcelas. Há comprovantes de pagamentos até fevereiro. Ao todo, 25 pessoas já foram transformadas em réus por envolvimento no esquema fraudulento. Outras denúncias serão oferecidas à Justiça.
Ninguém tem culpa
As manifestações escritas dos jogadores citados se parecem: alguns afirmam não saber que é crime aceitar dinheiro em troca de um cartão. Outros repudiam veementemente qualquer envolvimento. Seus advogados dizem que são todos inocentes e que tudo será provado no momento oportuno. Seguindo a lógica, culpado mesmo é quem aposta dinheiro em eventos aleatórios em jogos de futebol.
Planalto entra em campo
O Ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, determinou a entrada da Polícia Federal no caso para auxiliar o MP-GO. O governo Lula vai editar Medida Provisória regulando o mercado de apostas, e as diretrizes da MP foram apresentadas na semana passada à Comissão de Finanças e Tributação da Câmara dos Deputados. Por enquanto, a suspensão do Campeonato Brasileiro não está em questão, mas o ministro Flávio Dino não descarta a possibilidade. “No limite, podemos sim, infelizmente, chegar a essas medidas de interrupção ou suspensão de atividades até sobre a ótica do Código de Defesa do Consumidor, uma vez que se cuida de um serviço”. A Confederação Brasileira de Futebol também não trabalha com a possibilidade de suspensão do campeonato, mas tudo pode mudar, já que ainda tem muito jogo pela frente.
Por Metro 1