Um dos órgãos de Segurança Pública sob intervenção federal no Rio, a Secretaria de Administração Penitenciária (Seap) sofreu um pente-fino nas despesas realizadas entre o início de 2017 e janeiro 2018. Levantamento feito pelo Laboratório de Orçamento e Políticas Públicas (LOPP), do Ministério Público estadual (MPRJ), entregue ao procurador-geral de Justiça Eduardo Gussem, revela que 94% das compras da Seap no período foram executados emergencialmente, sem licitação ou sem cobertura contratual. Os gastos ultrapassam R$ 456 milhões. A maior parte dos empenhos é relativa a compra de quentinhas e de gêneros alimentícios para presidiários.
O montante inclui ainda gastos sem licitação para fornecimento de outros itens ou serviços, como aluguel de carros blindados, compra de tornozeleiras e recolhimento de lixo. Segundo a procuradora de Justiça e coordenadora do LOPP, Márcia Tamburini, há indícios de má gestão e de improbidade administrativa (ato ilegal ou contrário aos princípios básicos da administração pública, cometido por agente público) na manobra, que teria sido praticada pelo gestor da época, o então secretário e coronel da PM Erir Ribeiro.
Erir Ribeiro diz que empresas não se interessaram por licitação Foto: Fernando Lemos / 17.05.2017 / Extra— Ele lançou mão de algumas medidas de caráter excepcional que estão previstas na lei e substituiu a regra legal pela exceção. Os dados serão entregues ao procurador-geral de Justiça, que deve remetê-los aos promotores de tutela coletiva da capital. Os promotores poderão instaurar inquérito civil para aprofundar as investigações, que certamente vão resultar numa ação de improbidade administrativa — disse a procuradora.
Se o inquérito for aberto, além de Erir Ribeiro, deverão ser ouvidos pelo MPRJ os representantes de todas as empresas que teriam se beneficiado. Ainda não é possível saber se os R$ 456,3 milhões chegaram a ser totalmente pagos ou se só uma parte foi quitada. É que o levantamento incluiu apenas os empenhos feitos pela Seap, sem levar em conta as fases de liquidação (quando um servidor atesta a entrega do produto) e do pagamento em si.
Erir Ribeiro defendeu-se. Disse que, ao assumir a pasta, economizou cerca R$ 50 milhões para o estado, reduzindo junto aos fornecedores os preços das quentinhas. Ele afirmou que, por causa da crise estadual, foi obrigado a comprar emergencialmente alguns itens.
— Devido à falta de dinheiro do estado, ninguém queria participar das licitações. Os presos não podiam ficar sem alimentação. Por isso, tudo foi feito emergencialmente com as empresas de antes. Nenhuma aumentou o valor — disse.
Compras emergenciais incluíram aquisição de tornozeleiras eletrônicas Foto: Divulgação / 15.08.2017A procuradora rebateu. Disse que a medida foi prática, no sentido de evitar desabastecimento, mas não foi legal.
— Sob o ponto de vista legal e moral, não se sustenta. Se não encontrou interessados no Rio de Janeiro, outras empresas de estados limítrofes poderiam concorrer à prestação desse serviço. O estado de penúria não é justificativa para deixar de se realizar licitação. Se não, iríamos abrir as comportas para toda sorte de ilegalidades — concluiu Tamburini.
De acordo com o levantamento feito pelo LOPP do MPRJ, de todas as compras feitas no período analisado, 71,2% se referem a aquisições com dispensa de licitação, o que representa um valor de R$ 345.762.281,83. Outros 22,8% (chegando-se, assim aos 94% do total) foram despesas originadas por termos de ajustes de contas, ou seja, quando há um reconhecimento de dívida do órgão estadual por despesa sem cobertura contratual. Casos assim somam a quantia de R$ 110.624.519,90.
Procurada, a Seap, em nota, afirmou que a nova administração tem o objetivo de dar um “choque de gestão”. “A atual administração da Seap assumiu em 24 de janeiro, exatamente em face da crise no sistema penitenciário, com o objetivo de buscar soluções e dando um choque de gestão administrativa. Desde então, a Subsecretaria de Infraestrutura vem analisando as situações de exceções que foram feitas no ano passado, face à necessidade prevista no orçamento”, diz o texto.
A Seap informou ainda que “a equipe técnica está trabalhando para a realização de novas licitações e que todos os processos regulares de contratação serão licitados, dependendo do orçamento que é liberado para a pasta”.
A Comercial Milano do Brasil informou ter prestado serviço para a Seap em 2017, fornecendo insumos para café da manhã e lanche da tarde em 21 unidades prisionais. Alega não ter recebido nenhum pagamento referente a esses fornecimentos até agora. Devido à falta de pagamento, encerrou os fornecimentos em outubro de 2017.
A Comissaria Aérea do Rio de Janeiro foi contratada pela Seap e faturou em 2017 R$ 26.393.878,00, mas, apesar de ter prestado o serviço o ano todo, só recebeu pelos fornecimentos até junho. Atualmente, devido ao atraso de nove meses no pagamento, a Comissaria “vem prestando este fornecimento com enorme sacrifício, aguardando que se concretize a promessa de pagamento pelo governo”.
A Real Food Alimentação Ltda. disse que o último pagamento feito pelo governo estadual ocorreu em em junho de 2017. As outras empresas envolvidas não responderam ou não foram localizadas. EXTRA ONLINE