Um documento interno da Secretaria de Saúde do Distrito Federal escancara graves consequências da insuficiente oferta de leitos de unidade de terapia intensiva (UTI) na rede pública, ao revelar que, em dois anos e meio, 1.261 pessoas morreram aguardando uma vaga.
A elaboração do relatório é de um grupo de trabalho da Coordenação de Atenção Especializada à Saúde, da Gerência de Serviços de Terapia Intensiva da Secretaria de Saúde (SES). O documento foi disponibilizado pelo Sindicato dos Empregados em Estabelecimentos de Serviços de Saúde de Brasília (SindSaúde).
Em todos os casos, a Justiça havia deferido pedido dos pacientes, obrigando o governo a garantir a eles um lugar nas UTIs espalhadas pelo DF, mas a Secretaria de Saúde não cumpriu as determinações a tempo, atesta o levantamento.
O documento revela, ainda, que a Central de Regulação de Internação Hospitalar (CRIH) registra, em média, uma fila de espera de 70 a 120 pacientes por dia, nas UTIs. Os dados fazem parte da conclusão da atuação do Grupo de Trabalho de Desbloqueio de Leitos de UTI.
Casos de dor
Greicilene da Silva Lima, 37 anos, conhece a angústia de quem está nessa fila. Ela conta que o pai ficou 12 dias no Hospital Regional do Gama (HRG), esperando ser transferido à UTI. Segundo ela, o pintor Edson Pereira Lima, 69, estava debilitado por causa dos anos em que ficou exposto aos produtos utilizados no trabalho, e a suposta negligência médica agravou o caso, pois o pai teria contraído uma infecção no setor da pneumologia, onde ficou internado.
A família procurou a Justiça, e a decisão favorável saiu entre cinco e seis horas depois. De acordo com a filha, a determinação chegou ao conhecimento do hospital, mas, ainda assim, não disponibilizaram o leito que ele precisava, descumprindo a ordem judicial e levando-o a óbito em 21 de maio de 2017. “É um verdadeiro absurdo. A gente se sente impotente, porque o hospital podia fazer algo, mas nós precisamos esperar uma decisão da Justiça para isso”, desabafa Greicilene.
Leitos bloqueados
Segundo o documento, dos 401 leitos da rede pública do Distrito Federal, 68 estavam bloqueados em dezembro do ano passado. A Coordenação de Atenção Especializada à Saúde detalha os motivos da inutilização: ambiente inadequado por falta de controle de temperatura; estrutura antiga e sem manutenção; rede elétrica “incapaz de se manter com a sobrecarga à qual está submetida”; e falta de profissionais.
Para a presidente do SindSaúde, Marli Rodrigues, o relatório é uma confissão – do próprio governo – da falta de capacidade para gerir o sistema de saúde. “Para nós, não é novidade, mas, desta vez, [a secretaria] está assumindo. Isso é grave. Você não vê ali nenhum tipo de atitude para impedir aquelas mortes e evitar as outras que seguramente acontecerão”, critica.
A sindicalista disse que levará o caso à Justiça. “Nós vamos processar o governo para responsabilizar os culpados pelas mortes continuadas. O departamento jurídico está estudando a melhor forma de fazer isso”, afirma.
Atuação da Defensoria Pública do DF
A Defensoria Pública do Distrito Federal oferece apoio a pacientes desesperados para ter os direitos atendidos. Em 2017, o Núcleo da Saúde do órgão realizou 26.803 atendimentos – 25% a mais que em 2016. Do total de acolhimentos no ano passado, 2,7 mil resultaram em ações judiciais.
No ranking das reivindicações, acesso a medicamentos ocupa o primeiro lugar: foram 719 processos na Justiça, em 2017. Atrás, estão demandas por UTIs (709) e por cirurgias (379).
Para o coordenador, a grande dificuldade do governo é desbloquear os leitos.
Procurada pelo Metrópoles, a Secretaria de Saúde não havia se manifestado sobre os dados até a última atualização desta matéria.
METRÓPOLES
Confira o relatório completo do Grupo de Trabalho de Desbloqueio de Leitos:
Relatório do Grupo de Trabalho de Desbloqueio de Leitos, da Secretaria de Saúde by Metropoles on Scribd