Em meio a tanta violência, o Brasil também registra iniciativas bem-sucedidas de como combatê-la. Na retrospectiva do G1, duas histórias mostram alguns caminhos para tentar reduzir a epidemia de mortes do país.
As duas iniciativas foram escolhidas por especialistas do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e do Núcleo de Estudos da Violência (NEV) da Universidade de São Paulo (USP), parceiros do G1 no Monitor da Violência. Jornalistas entrevistaram duas personagens e coletaram dados de ambos os projetos.
Leia a seguir:
Maria Auxiliadora e os filhos, Wandresson e Wermenson Alves, fazem atividades educativas e trabalham no Compaz da Zona Norte do Recife — Foto: Marlon Costa/Pernambuco Press
Depois de 42 anos e 9 filhos, a auxiliar de limpeza Maria Auxiliadora Alves diz não ter medido esforços para dar o melhor a cada um. Ao olhar para trás, lembra com tristeza que um dos filhos está preso por tráfico de drogas, mas vê o futuro com esperança, já que os caçulas, gêmeos de 13 anos, reconhecem a má escolha do irmão e investem no esporte e na educação por desejarem seguir outro rumo.
O amanhã de Wandresson e Wermenson tem sido construído a cada aula ou atividade feita no Centro Comunitário da Paz (Compaz) do Alto Santa Terezinha, bairro humilde da Zona Norte do Recife. Robótica, judô, luta olímpica, taekwondô e informática são alguns dos cursos feitos pelos gêmeos no espaço, que oferece atividades para crianças, jovens e adultos do bairro e de outras cinco localidades próximas.
Inaugurado em março de 2016, o espaço de cerca de 12 mil m² divididos em quatro pavimentos foi idealizado não somente para provocar mudanças sociais no bairro, mas na autoestima de cada um dos frequentadores. Com 16 esportes e 11 serviços diferentes, o espaço atende quase 12,2 mil pessoas de todas as áreas do Recife, mas sobretudo dos bairros próximos.
“Vimos que era possível reverter a violência com projetos culturais, educativos, pedagógicos. Antes do primeiro tijolo, tivemos um diálogo com a população, para eles entenderem que não estávamos construindo um prédio, mas sim uma filosofia”, conta o secretário de Segurança Urbana do Recife, Murilo Cavalcanti.
Os resultados, pensados a longo prazo, já são visíveis em quase três anos de funcionamento do espaço. De acordo com dados da Secretaria de Defesa Social de Pernambuco, Recife teve 20% a mais de homicídios em 2017 em comparação com 2016 – já no raio de 1 km do Compaz do Alto Santa Terezinha, houve queda de 21% nos homicídios no mesmo período.
Lívia Aragão é uma das 3 mil mulheres atendidas pela Ronda Maria da Penha — Foto: Danutta Rodrigues/G1
Com dificuldade em contar a própria história, fruto da violência sofrida em 20 anos de relacionamento, Lívia Aragão foi uma das primeiras mulheres a serem atendidas pela Ronda Maria da Penha, em 2015, ano em que a corporação foi criada. Os lapsos de memória e o riso sem graça e um pouco tremido evidenciam a submissão e a falta de apoio com que a comerciante de 42 anos teve de conviver no período com o agressor antes de ser resgatada.
Lívia conta que as agressões começaram a partir do ciúme que o ex-marido dela tinha com qualquer pessoa. O poder de persuasão do agressor conseguia com que a vítima sempre retomasse a relação. As violências psicológicas deram lugar às agressões físicas.
Lívia tem dois filhos com o ex-marido, um menino de 11 anos e uma menina de 12. Sempre ao lado da mãe, as crianças também sofreram as ameaças do pai. E foi justamente para proteger os filhos que a comerciante teve coragem para reagir.
Foi só com o atendimento da Ronda Maria da Penha, que prestou todo o acolhimento e todas as assistências, desde a esfera emocional à esfera jurídica, que o sofrimento de Lívia começou a ter fim.
Em quase quatro anos de atuação, a Ronda Maria da Penha, sob o comando da Major Denice Santiago, idealizadora do projeto, já prendeu 137 agressores, fez 141 encaminhamentos às delegacias, realizou 1.023 palestras e eventos, fez 10.797 fiscalizações de medidas protetivas e atendeu 3.331 mulheres. Atualmente, a Ronda conta com 108 policiais militares em todo o estado.